sexta-feira, 2 de março de 2012

Buscando equilíbrio

2/03/12
Então eu vim pra China estudar. Ok, lindo, brilhante.
Por mais que eu tenha interesse em aprender mandarim (e tenho mesmo, do contrário estaria curtindo uma praia em Santos), não vim pra cá SÓ pra estudar.
Durante o segundo semestre do ano passado fiz um trabalho com um coach. Coach, (do inglês, treinador), quando referente ao desenvolvimento pessoal, é um profissional que auxilia na busca e definição de metas, e te orienta a alcançá-las (Roberto, se você ler isso e quiser dar uma definição melhor, fique à vontade)
Eu frequentei durante os últimos anos um instituto que -sem brincadeira- mudou minha vida: O MeCura (www.mecura.org.br) . Depois de algum tempo frequentando o instituto, descobri que havia um coach, voluntário lá. Me interessei, e depois de algum tempo comecei a ter sessões semanais com Roberto Costard (www.robertocostard.com.br). Com ele aprendi a dar prioridade às coisas e a manter o foco. Com o auxílio dele eu pude alcançar coisas eu diria, "meio" importantes, como definir quando eu viria pra China, fazer o que, como, morar onde, comer o que, como faria pra manter minha rotina de esportes aqui, etc (entre muuuitas outras coisas).
 Depois do Roberto, li o livro "Os 7 hábitos das pessoas altamente eficazes" (super recomendo a qualquer um e a todos), e percebi a necessidade, não apenas de manter o foco, mas de manter um equilibrio na vida. Ou seja, não só trabalhar (como é o caso da maioria), não só estudar (como eu poderia transformar em meu caso aqui), mas perceber os diferentes papeis que a minha pessoa cumpre no mundo, e cumprir com minhas obrigações, bem como satisfazer a necessidade de cada um desse papel.
Assim, defini meus papéis aqui, basicamente, como:
1- Estudante, que deve cumprir a tarefa de ir às aulas e estudar diariamente, inclusive sábados e domingos.
2- Professora de inglês- preparar e dar as aulas nas escolas
3- Aprendiz- comecei a dar aulas de português para três francesas, e tenho aula de francês em troca. O que eu aprendo não é apenas o francês, mas também a desenvolver minha habilidade e obter experiência como professora de português para estrangeiros
4- Athlete wanna be (querendo (voltar a) ser atleta)- academia no mínimo 5 vezes por semana, com treinos específicos, aeróbicos e de musculação.
5- Boa filha e amiga- Manter contato constante com família e amigos no Brasil (e na Irlanda, e na França, etc), além de estreitar laços com amigos feitos aqui (através de almoços, bares, grupos de estudo, etc)
6- Não sei bem como nomear esse papel. Basicamente, continuar trabalhando meu autoconhecimento e desenvolvimento pessoal, através da Deeksha, da meditação e de leituras.


Notem que os papéis não estão em ordem de prioridade.

Assim, mesmo sabendo que não vou estudar 15 horas diárias de mandarim, mas 8, acho que sobreviverei por aqui. Fazendo amigos, cuidando da minha saúde e tendo prazer aprendendo francês e ensinando português e inglês. Mas o mandarim continua sendo minha prioridade

Uma (ou a primeira) balada em Nanjing

18/02/2012
Localização: Sancho Panza e Big Scarlet's

Recusei vários convites para sair à noite. Como virei uma pessoa focada nos estudos, deixei passar a comemoração do Valentine's Day  num Happy Hour no Ellen's (o point de quinta-feira aqui, pois -pasmem- durante o Happy Hour a cerveja é de graça), recusei sair no primeiro final de semana e na segunda sexta, mas, por fim, no meu segundo sábado aqui, cedi.
Minhas novas amigas francesas trabalham numa balada, chamada Scarlet's. Scartlet's fica no Distrito 1921, tipo a Vila Olímpia daqui. Eu ainda não achei a melhor casa de samba da cidade, então o jeito foi ir com amigos a essa baladinha.
Primeiro, fomos ao Sancho Panza. Um bar com música ao vivo, majoritariamente (pop)rock. Então comecei a noite ao som de uma banda chinesa que toca cover de rock em inglês (e fiquei impressionada, pois o vocalista não tem sotaque nenhum quando canta, e a banda é realmente muito boa). O ambiente do bar é parecido com o de um pub. Embora não seja muito grande, tem 3 andares, uma mesa de sinuca, uma de pebolim e um palquinho. Os chineses não dançam, então não tem pista de dança. A noite de um jovem chinês consiste em ficar jogando dados. Não faço ideia de como se joga, mas é bastante popular aqui. Os jovens sentam ao redor de uma mesa e jogam isso por algum tempo enquanto bebem cerveja ou algum drinque.
Depois da meia noite fomos de taxi até o Scarlet's.
O lugar é super bem decorado. Tem um louge com música ao vivo- uma cantora e um tecladista cubanos, que alternavam com uma cantora americana (acho), cujo instrumento, além da voz, era um laptop, de onde saía a melodia das músicas que cantava.
As francesas trabalham nesse lounge. Basicamente, elas são pagas para mostrar aos clientes que o bar é frequentado por belas mulheres caucasianas. Elas ficam das 9 à meia noite bebendo e conversando entre si, e eventualmente conversam com algum chinês rico que lhes paga um drink pra mostrar que tem conhecidas estrangeiras.
Depois de dançar um pouco de salsa no lounge com Pedro, meu amigo português (supermega fofo!), subimos pro segundo ambiente. Fiquei impressionada com o que vi.
Foi tanta coisa diferente, que eu precisei de um bom tempo pra organizar a forma como escreveria isso aqui para que vocês pudessem ter uma ideia:
É de se imaginar que em uma balada com DJ há uma pista de dança, um espaço, nem sempre amplo, onde os frequentadores podem mexer o esqueleto ao som de música techno. Bom... esqueleto de chinês deve ser colado com durepox. Já mencionei acima que chinês não dança (com exceção de uns mais rebeldes ou bêbados, então, óbvio, não há, propriamente, uma pista de danças.
O Scarlet's é muitíssimo popular em Nanjing e muito frequentado por estrangeiros. Nós, sim, dançamos - quando dá. Não tendo pista de dança, o que nos resta é um palquinho em forma de T, localizado no meio do salão. Então, basicamente, os chineses não se expõe dançando, mas ficam, a balada toda, olhando os Waiguoren (gringos) dançarem.
Vocês podem estar se perguntando se é só isso que os chineses fazem numa balada. Claro que não! Eles comem pepino, cenoura e frutas que são lindamente servidas às mesas ao redor das quais eles passam a noite inteira. Também bebem um drink servido em garrafa de suco - que eu imagino que seja conhaque com qualquer coisa-, pagam bebidas aos estrangeiros, simplesmente porque é legal conhecer um estrangeiro, e, claro- assistem avidamente à performance.
Ulrich, meu amigo alemão, tinha me falado sobre uma tal performance no Scarlet's. Ele tentou me explicar, mas eu não consegui entender, realmente, o que ele quis dizer com aquilo.
Estávamos eu e meus amigos dançando no tal palquinho, quando de repente 3 chineses fardados fazem gestos pra sairmos de lá. Logo pensei "que que a gente fez de errado?". Meu questionamento não durou muito tempo, pois, dali a um minuto, subiu ao palco uma chinesa vestida de diva com plumas e paetês (ou só paetês, na verdade), pernocas de fora (lembrando que eu estava com 2 calças legging, pois, ao final de contas, fazi -1 lá fora), uma postura de pop star e... começa a interpretar Beyoncée (playbackão). A chinesada vai à loucura! Depois de apresentar uma música, juntam-se a ela no palco duas outras chinesas, vestidas iguais entre si - mas diferente da Diva-, com óculos escuros e roupa de mulher descolada, e fazem toda a coreografia da segunda música- "All the single ladies", eu estava empolgadíssima com aquilo! Mas a coisa ficou ainda melhor. Na terceira música, sobem ao palco dois chineses vestidos de seilaoquê- igualmente descolados, claro-, pra dançar com as duas moçoilas. Minhas irmãs ficariam com inveja de sua destreza na coreografia.
Depois dessa mistura sino-americana na interpretação, os dançarinos desceram do palco e ficou apenas a Diva cantando o que aparentemente é uma música muito famosa aqui, pra agradar exclusivamente os chineses, claro.
A tentativa de explicação de Ulrich foi, claramente, em vão. Nunca, nada que ele tivesse tentado colocar em palavras, poderia explicar o que eu vi aquela noite- e vocês, para terem uma ideia precisa do que é, realmente... bom, só vindo até aqui.
Detalhe: Uma balada desse estilo seria, normalmente, bastante cara no Brasil. Aqui é de graça, e você, sendo gringo, ainda corre o risco de não pagar bebida a noite inteira (Não se preocupa, mãe, eu não bebi do copo de ninguém).

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Aulas de inglês na China

Meu amigo Thiago Completo, que já morou aqui em Nanjing, havia me dito que seria fácil encontrar alunos para ter aula de inglês.
Antes de sair do Brasil eu falava pros meus pais que durante os primeiros meses aqui eu queria só estudar, pra sentir o meu ritmo de estudos. Depois disso ia começar a procurar aula pra dar, pra não gastar todo o dinheiro que eu havia juntado no Brasil.
Tendo alguma experiência tanto de viagem quanto como expatriada, deveria ter previsto que planejar arranjar trabalho no exterior é uma perda de tempo. Não por eu eventualmente perder a vontade de trabalhar, mas porque as coisas fora do Brasil acontecem num ritmo e de uma forma totalmente diferente.

No dia da matrícula eu conheci Brittany, uma alemã de Berlim, que me acompanhou até o banco, pois também não tinha sacado o dinheiro. Durante a hora que passamos conversando, ela me perguntou o que eu fazia no Brasil, e eu disse que sou professora de inglês. Logo me perguntou se eu gostaria de dar aulas aqui, e que ela mesma dava aula, e que conhecia uma pessoa que talvez precisasse de mim.

Um amigo da mesma alemã, no lobby do XiYuan (O "hotel" onde moro), logo depois de se apresentar pra mim como David, canadense, me perguntou se eu não poderia substituí-lo no dia 14/02, Dia de São Valentim (ou dia dos namorados, na maior parte do mundo). Eu disse que sim, sem problema. Ele agradeceu enormemente, passou o telefone de Summer, seu "chefe", e marcamos de nos encontrar no dia seguinte. Aconteceu que logo quando eu saí da estação de metrô, a bateria do meu celular acabou, e David não havia me passado o endereço (embora eu tivesse pedido, ele disse que era mais fácil explicar como chegar). Sem bateria, incomunicável, não pude substituí-lo, os alunos ficaram sem aula, e eu pensei comigo "Foi-se uma boa oportunidade de contato pra dar aulas de inglês pra adultos. Esse tal de Summer nunca mais  vai me procurar".
Chegando em casa, liguei primeiramente pra Summer, pra me desculpar, e, ouvindo meu motivo, disse que não tinha problema, e me ofereceu uma turma de quarta e sexta. Aceitei na hora.

Na terça a noite, logo depois de desligar com Summer, me liga "Desperate Amy" (ou Amy Desesperada, com eu a costumo chamar).  Ela havia pedido a Brit meu telefone, pois precisava de uma professora de inglês para assumir uma turma de crianças na escola de inglês da Nanjing Normal University (que não é a minha, mas é aqui perto). Perguntei a idade das crianças e o nível que elas estão. Amy pediu para encontra-la na quarta de manhã, pra conversar sobre a turma, mas eu tenho aulas de manhã. Ela propôs, então, que eu a encontrasse as 14:30. E a turma começou as 15:30.
Neste ponto vocês devem ter percebido por que eu apelidei Amy dessa forma. Sempre que me liga está desesperadamente à procura de professores. Ela me ofereceu mais turmas de crianças, mas eu tive que recusar. Dar aulas pra criança de 9 e 10 anos não é exatamente a minha praia, e eu sei que, aceitando mais turmas, ficaria estressada, ao longo do semestre. Uma turma está de bom tamanho, pois é importante pra mim ter acesso ao comportamento das crianças chinesas, já que elas refletem de forma muito natural a cultura em que estão inseridas.
Devo acrescentar aqui um fato curioso: Diversas vezes Amy me ligou perguntando se eu queria dar aula pra algumas turmas aos sábados e - pasmem- aos domingos. Eu disse que não, e inventei que tenho grupo de estudos aos sábados, e que aos domingos preciso descansar- porque Amy pode ser extremamente insistente. Pensei comigo "que tipo de criança tem aulas de inglês aos domingos??"
Crianças chinesas, como pude apurar posteriormente.


Yuval, um israelense que fez algumas aulas comigo e já mora aqui há um semestre, também trabalha pra Amy. Ele achou o apelido Desperate Amy bem adequado, e foi ele quem me disse que os pais de todas as crianças são desesperados para que elas aprendam inglês. Como durante a semana estão ocupadas com a escola (que eu imagino que seja período integral, mas ainda não tenho certeza), restam-lhe os finais de semana para estudar inglês.
Finalmente, liguei para Summer para dizer que não estaria mais disponível às quartas a tarde, e ele passou, então, as aulas de quarta pra terça.

Assim, embora tivesse previsto passar os primeiros quatro meses só estudando, na minha primeira semana de aula já comecei a dar aulas de inglês. O preço da hora aula é o mesmo que pagam em escolas no Brasil, mas a diferença é que aqui, 100 yuan/hora é muito dinheiro. Com minhas 6 horas semanais dando aulas de inglês consigo pagar o aluguel do meu quarto (que é, diga-se de passagem, mais caro que qualquer apartamento que eu alugue aqui perto).

Encontrando meu lugar

14/02/2012

Localizacao: Adivinhem so... sala 104... de novo

Decidi assistir as aulas do segundo nivel hoje, mas por algum motivo, nao consegui encontrar a sala. O jeito foi voltar ao nivel 3, na esperanca de eu entender alguma coisa.

Entrei na sala e era uma outra professora, mais velha, entre 40 e 60 anos (ja disse que e dificil determinar a idade das chinesas?). Ela so falava em chines, mas pareceu ser menos pilhada e as vezes falava mais devagar. Percebi que sempre repitia as mesmas palavras. Tambem gravei a aula dela, pois nao estava entendendo QUASE nada. Depois de uma hora de aula me dei conta de que ela estava gastanto saliva simplesmente pra explicar palavras que estavam no texto que estavamos lendo. Ou seja, ao inves de dar a traducao da palavra, ela dava uma volta imensa pra explicar o significado. Quando me dei conta disso, usei meu melhor amigo (meu Ipod Touch) para rapidamente buscar as palavras no dicionario. Assim, ficava tranquila e nao tinha tanta necessidade de entender tudo o que estava sendo dito.
Sai da aula e no intervalo cogitei trocar de nivel, mas resolvi assistir a segunda aula com a professora novinha. Efetivamente foi melhor. Percebi que ela nao tem uma fala muito objetiva, ou seja, divaga muito e fala sozinha em voz alta, e isso foi o motivo do meu desespero do dia anterior. Agora a tatica e: filtrar o foco da minha atencao. Alem disso, preparar-me para aula, o que significa que eu leio o texto (todo em ideograma, sem pinyin) da aula seguinte no dia anterior. Coloco o pinyin e/ou a traducao das palavras que nao conheco. Isso me da seguranca para, quando a professora le o texto em sala, eu saber do que ela esta falando e nao ficar a ponto de arrancar os cabelos com pinca.

O que diabos e pinyin, Julia?

Imaginem o ideograma
À? . Voce le esse troco e nao faz ideia de como soa nem o que significa. Assim, foi regularizado, em 1982, um sistema de representacao dos sons da lingua mandarim, em alfabeto latino. Assim, hoje, À? e representado como lan. Claro que voce nao sabe o significado so pelo pinyin, mas e uma mao na roda pra procurar a palavra no dicionario (voce ja parou pra pensar como e procurar palavras em mandarim no dicionario?). Tambem tem a indicacao dos tons, mas eu ainda nao sei como colocar isso aqui, hehe.

Primeiro dia de aula

13/02/2012

Localizacao: Sala 104

Depois de ter feito minha matricula sem problema nenhum, resolvo assistir a aula do nivel 3. Havia conversado com algumas pessoas, que me disseram que o nivel 1 era bem basico. Esse nivel era pra quem nunca havia estudado mesmo- da a ideia geral de como funciona a lingua, de que e uma lingua que nao tem alfabeto, fala da ordem dos tracos que formam os ideogramas, dos possiveis fonemas da lingua e da nocao de tons.

Como alguns sabem, o mandarim e uma lingua tonal, o que significa que uma palavra pode ter 4 tons diferentes (cinco, se contar o tom neutro, menos comum). Assim - permitam-me sair do exemplo classico de mae e cavalo-, a palavra "ai",
??, no primeiro tom pode significar pena/lamento, ai òI,no segundo tom, pode significar estupido, idiota; o mesmo ai Ì@, no terceiro, pode significar amigavel e,no quarto tom, o famosissimo e muito comumente tatuado ai ,?®??¨¦ o ideograma de "amor". Notem que escrevi pode significar. Isso porque uma palavra com o mesmo tom pode ter variados ideogramas, e, portanto, significados diferentes.

Assim, resolvi que o primeiro nivel seria chato pra mim, porque- afinal de contas- no primeiro e segundo ano de faculdade eu efetivamente ia as aulas e acreditava no trabalho das professoras Chia e Wu Liu (a coisa mudou de figura com o tempo). Ja tinha me desesperado pra absorver a idea de uma lingua que nao tem alfabeto, cujas palavras com exatamente o mesmo som e tom podem ter ate dezenas de ideogramas diferentes (e, claro,isso vai mudar o sentido da palavra).

Resolvi, entao, assistir a aula do terceiro nivel. A primeira semana de aulas aqui seria um teste, para que os alunos pudessem se encontrar em seu nivel adequado. Assim, numa atitude talvez pretensiosa, pulei o nivel dois, pensando que se nao conseguisse acompanhar as aulas do nivel 3, bastava baixar um nivel.

As dez da manha entrei na sala para assistir a segunda aula (a aula das 8 as 10 eu havia perdido porque tive que ir ao banco, fazer matricula, etc). Entra uma professora jovem, entre 20 e 30 anos (dificil dizer a idade dos chineses). Minha primeira impressao foi que ela estava bebada. Chegou andando meio engracado, meio pilhada, meio perdida. Talvez seja simplesmente seu jeito de ser. Nao acho que ela estaria, efetivamente, bebada, as 10 da manha de uma segunda feira. Depois comprovei que e seu jeito de ser (ou ela bebe todo dia, pois todo dia chega na sala dessa forma).

Imagine entrar por engano numa aula de sapateado e ser obrigada a dancar junto com o grupo avancado. Sabe aquela cena patetica de tentar acompanhar os passos rapidos e rodopios profissionais dos dancarinos, sem que voce nem saiba fazer os sapatos fazerem barulho. Foi assim que me senti.

Senti-me como se tivessem me jogado em Marte. Mas talvez a lingua falada la seja mais compreensiva que o mandarim. Minha professora metralhou monossilabas em diferentes tons durante duas horas, e eu me agarrei ao meu Ipod, gravando tudo o que ela falava pra ter a esperanca de, um dia, compreender alguma palavra. Sem brincadeira, eu nao entendi nhecas de pitibiriba.

O resto da turma parecia estar no mesmo barco que eu. So um ou dois, de um grupo de 15, abriu a boca durante as duas horas de aula.

Sai rindo, pensando que eu realmente devia ter estudado ALGUMA COISA antes de vir pra ca.

Tudo errado

10/02/2012 - sexta-feira

Hoje e o dia de fazer matricula. Passo no banco pra tirar dinheiro, e, claro, depois de uma hora no caixa, nao consigo, e ainda por cima, tenho meu cartao bloqueado. Aparentemente o limite de saque diario na China para cartoes estrangeiros e de duas vezes de 2.500 yuan. Fico preocupada porque preciso pagar 19.000 por um ano de estudos aqui. Volto ate XiYuan (ah, sim... eu tenho aula no mesmo predio onde moro, e aqui eh tambem a parte administrativa dos cursos para estrangeiros), informo que nao posso pagar toda a quantia, e a senhorita que me atende diz que nao tem problema, que posso fazer a matricula na segunda feira. E eu fico com receio, pois minha mente foi programada de forma a achar que se as coisas podem dar errado nao tem por que darem certo. Mas faco afirmacoes conscientes pateticas do tipo "Calma, Julia, vai dar tudo certo". "Calma, Julia, voce vai conseguir fazer a matricula", "Relaxa, Julinha, foi so um contratempo, ta tudo no lugar", "C*****o, Julia, da pra parar de ser pessimista?!"

No meu ultimo dia em Paris entrei no site do Couchsurfing e no grupo de Nanjing vi uma mensagem de um suico que disse estar vindo fazer o mesmo curso que eu. Ele buscava informacoes sobre apartamentos pra alugar. Lhe escrevi, informando-lhe que tambem ia estudar mandarim na Nanda, e propondo da gente se encontrar. Ao chegar, escrevi-lhe informando o numero do meu quarto.

Depois de nao ter feito a matricula, voltei pro meu quarto e dormi. Cerca de 5 da tarde toca a campainha, e ao abrir me deparo com um rapaz barbudo com chapeu de russo, uma mocinha branquinha com cara de boneca e um sorridente rapaz. O russo se apresenta: e Loris, o suico do couchsurfing. Ele e estudante de mestrado em Ciencias Politicas em Lyon, e veio pra ca com mais dois colegas de Lyon: Mary (a boneca), e J.V. (Jean Victor), um canadense do Quebec, que por ser canadense, esta livre do sexy sotaque frances ao falar ingles. Ainda estou meio perdida com o fuso-horario, e na breve conversa com eles me dei conta de que perdi o teste de nivel pra saber qual era o melhor grupo pra eu comecar minhas aulas. Nem me estresso, ja que, afinal de contas, ainda nem fiz a minha matricula. De qualquer forma, o trio francofano me convida pra jantar, e marcamos de nos encontrar dali a tres horas.

Encontrei-os no saguao e logo fui apresentada a Ulrich (o "Arroz Feliz", alemao) e Daniel (mexicano). Depois das apresentacoes e perguntas basicas, do tipo: "de onde voce e?", "o que voce estuda" e "o que diabos esta fazendo aqui?", saimos rumo a um restaurante a uma quadra daqui.

A minha primeira experiencia com comida chinesa foi interessante. Primeiro, porque eramos 9 pessoas (alem dos ja citados, mais tres mexicanos, que nao fazem parte da minha historia aqui, entao nao perderei tempo citando-os), e quase todas tinham o mesmo nivel de chines que eu - ou seja, como diz meu amigo Daniel San: "Ni hao ma xie xie" (oiobrigado). Depois de muita gargalhada e de alguma frustracao por todos termos tido a impressao que o tal do frango que pedimos era, na verdade, porco, saimos de la e fomos encontrar mais 4 franceses, 2 que importam, Morgane e Chloe. As duas moram em Nanjing ha mais de 5 meses e ja conhecem os bons lugares pra sair por aqui. Fomos ao Pancho Vila (!), um bar agradavel com musica ao vivo, mesa de sinuca e pimbolim, mas muito cheio. Resolvemos, entao, ir a um bar mexicano onde um chines de cabelo comprido toca flamengo (vai sacando a complexidade da coisa...). Pedi um mojito porque a caipirinha de abacaxi (!) estava em falta.

A chegada

09/02/12, quinta-feira

Localizacao: Nanjing, China

Chego ao meu destino final, depois de 13 horas de viagem, de Paris a Nanjing, com conexao em Beijing. Sou presenteada com neve (um dos unicos dois dias de neve de todo o inverno - aqui e rarissimo nevar). No aeroporto sou recebida com uma plaquinha sustentada por uma sorridente estudante universitaria chinesa, NanNan (ou Amy). Na placa, meu nome em portugu^es "JULIA DOS SANTOS BARREIRO", e a pergunta de Nannan: "Entao... qual 'e o seu primeiro nome?"

Nao... nao e obvio que meu primeiro nome e Julia. Assim como nao e obvio pra voces que em meu nome em chines ?ÎÐãÀ? (He Xiu Lan) o primeiro caracter indica meu sobrenome e os outros dois
, meu nome.

Na China ha uma lista dos sobrenomes comuns. Assim como "Silva", "Santos" e "Pereira" no Brasil, ha algumas dezenas de sobrenomes chineses tradicionais. Considerando a timida quantidade de mais de 1,3 bilhoes de habitantes nesse pequeno pais, imaginem quantos "parentes" He eu tenho.

Onde eu arranjei esse nome? Durante meus anos de Letras na USP, um belo dia no inicio de 2010, alguns meses depois de eu ter feito minha primeira tatuagem (a flor de lotus), recebi do meu professor de Literatura Chinesa Classica esse nome. Ele pegou o "re" de BarReiro para aproximar do som de He (He, no segundo tom, tem exatamente o mesmo som, mas um caracter com tres tracos a menos do caracter de Lotus (nao, ele nao sabia que eu tinha uma flor de lotus tatuada). Depois, pegou o som de Julia para formar meu nome Ju (Xiu) lia (lan). Todo nome chines tem um significado. Os nomes masculinos geralmente estao ligados a forca, dignidade ou carater, e os femininos, por sua, vez, estao ligados a beleza, delicadeza e graca. Dai, pelo som, ele pegou os caracteres que formassem algo com sentido. Conhecendo minha adoravel pessoa, resolveu me batizar de Orquidea Graciosa. Tive sorte, tendo em vista que os nomes dos ocidentais geralmente saem engracadissimos (e por vezes desastrosos, como meu amigo alemao Urlich, que foi batizado (nao sei por quem nem como) de "Arroz feliz".

Pago a quantia de 200 Yuan para ser trazida do aeroporto ate XiYuan, o dormitorio de estudantes estrangeiros da Universidade de Nanjing (o taxi sairia 140, mas prefiri saber que ia chegar ao lugar certo e teria ajuda chegando no dormitorio). Nan nan e uma estudante empolgada e feliz de conhecer estrangeiros. Depois de 5 minutos de conversa, ela me elogia: "You're lovely!" (voce 'e adoravel)- realmente meu professor acertou no meu batismo, pelo visto.

Ao chegar em XiYuan, Nan Nan me auxilia na hora de fazer o check-in (aqui e como um hotel, nao eh um CRUSP da vida), me traz ate meu quarto e, junto com uma senhorinha, faz a vistoria das condicoes dos moveis e aparatos que habitam meu quarto (pelos quais eu paguei um deposito de 65 yuan). A primeira impressao me agrada: a antiga moradora colou uns stickers de coracaozinho e flores na parede, que da ao ambiente um ar mais feminino. Frigobar, televisao, escrivaninha, uma mesinha, criado-mudo, uma cama de viuva,jarra de ferver agua (nao sei o nome disso em portugues), armario e um banheiro- not bad... not bad at all.

Desfiz minhas malas, coloquei a roupa de cama, tomei um banho e desci pra comer. Nao conheco nada, esta nevando e estou verde de fome. Atravesso a rua e entro num bar chamado Talking. Menu em ingles! Peco uma sopa "Mushroom capuccino" (vai saber o que e isso), e chicken popcorn. Um bom jantar.

Volto pro meu quarto e apesar de ter dormido no aviao, apesar da ansiedade de ficar desperta pra minha nova vida na China e da melancolia que a neve caindo la fora me traz, comeco a ler o livro que minha querida amiga Carol me deu, "Comer, Rezar, Amar", leio 3 capitulos e durmo como uma pedra, sem despertador, ate o dia seguinte